09 julho 2020

Reforma tributária

O capítulo 12 do primeiro livro bíblico dos Reis de Israel é um vazamento da reunião ministerial do rei Roboão. Isso se deu por volta do ano 945 a.C. O país passava por um bom momento de arrecadação e superávit na balança comercial. Ocorre que o povo viu na passagem de poder pela morte do rei Salomão para seu filho e sucessor Roboão, oportunidade para fazer uma reforma tributária. A prosperidade proclamada era à custa da alta carga de impostos.

A questão fiscal já motivou revoltas populares, guerras, deposição de monarcas ao longo da história em todas as partes do planeta, dentre outros conflitos. No tempo de Roboão, o assunto dos impostos era tão grave que a oposição liderada por Jeroboão, obrigou o palácio a dar satisfação ao clamor popular. O rei recebeu uma comissão cujo líder era ex-funcionário e desafeto de seu pai. É possível que o diálogo tenha começa com ânimo acirrado.

O pedido foi simples: alivia a carga tributária. O rei pediu três dias para dar uma resposta. Na reunião ministerial ele ouviu alguns assessores. Pesou os conselhos e decidiu por aumentar a carga tributária por Medida Provisória. Naquele tempo, a Constituição era o próprio rei porque reunia os poderes executivo, legislativo e judiciário, então podia editar MP com esse tema. Era fácil resolver o princípio da legalidade.

Não deu outra: houve uma revolta popular liderada por Jeroboão, que acabara de chegar do exílio. Estava no Egito. Esses exilados! Eles vêm com sangue nos olhos, discursos inflamados e geralmente assumem o poder. Houve um racha no país. Dos 12 Estados dez seguiram a revolta popular e dois Estados ficaram com o rei.

Ao longo dos anos seguintes, sem dinheiro em caixa para manter um exército forte e sucessivas invasões de países vizinhos foram enfraquecendo a unidade nacional, tanto que a partir de 700 a.C. o país nunca mais foi o mesmo até o início do século XX. Foram 2700 anos de história perdida por uma decisão vaidosa, arrogante. Dar ouvido ao conselho errado pode trazer consequências trágicas. Se ele pelo menos tivesse lido o que o pai escrevera em Provérbios 13:10 talvez a história tivesse outro desfecho: “A arrogância só produz contendas, mas a sabedoria está com aqueles que buscam conselho” com as pessoas certas.

O tema da reforma tributária é controverso. É uma verdadeira queda de braço. Quem está no poder quer reformar para aumentar a arrecadação. No mínimo, nem pensa em perder. A União e os Estados nunca chegam ao consenso, no caso brasileiro. Estados disputam entre si para saber se a arrecadação será na origem ao no destino. Setores produtivos da economia não deixam por menos: travam batalha por incentivos fiscais. Por outro ângulo, o cidadão, o produtor, o comerciante pedem diminuição dos impostos, taxas e contribuições. Sem contar que a equação é alterada pelas ideias políticas de quem ganha a eleição, a condição financeira do povo em dado momento, a pressão de grupos econômicos e políticos. É de fato complexa qualquer reforma fiscal que possa acompanhar a dinâmica da economia.

Se por um lado a simplificação e diminuição da carga tributária provoca uma perda de arrecadação a curto prazo, a longo prazo favorece o crescimento do país. Desonerar a folha de pagamento, por exemplo, incentiva a geração de novos empregos, aumento o consumo, faz o dinheiro circular melhor. Aquece a economia.

Os impostos são parte do esforço produtivo do cidadão transferido para o governo administrar. Uma reforma tributária deverá vir de um pacto federativo com a participação de quem paga a conta. Infelizmente, esse assunto é decidido nos gabinetes sem a consulta popular. Assim, fica fácil pedir a pizza e mandar a conta para o vizinho.

Atualmente, o cidadão nem sabe o quanto paga de impostos e contribuições e muito menos para onde vai seu dinheiro. Apenas no consumo são cinco: ICMS, ISS, IPI, COFINS E PIS/PASEP. Enquanto os governantes digladiam pelo poder para saber quem manda mais ou quem vai abocanhar mais dinheiro, o contribuinte espera de braços cruzados uma solução do debate que pode se arrastar por mais 40 anos. Até lá, vamos aguentando o abuso do poder de tributar.